O Paço Real



O PAÇO REAL


Paço Real  Salv. Magos (click a foto para aumentar)
O Paço Real de Salvaterra de Magos, monumento de relevo na vila, teve a sua época áurea no reinado de D. José I. Paço de predilecção real devido a Salvaterra ser um bom local de caça, este edifício oferecia outras vantagens para além da localização, como é o exemplo do teatro de ópera. Muitos espectáculos se realizaram em Salvaterra de Magos, sendo alguns, estreias nacionais. As catástrofes naturais aliadas a algum desleixo por parte da Coroa, ao longo dos anos, foram destruindo o Paço e, deste imponente monumento, hoje em dia pouco resta.

As primeiras referências ao Paço datam de 1383, aquando do contrato de casamento da Infanta D. Beatriz com o rei de Castela (Tratado de Salvaterra de Magos). Estas referências indicam a existência de um paço medieval (Paço Velho). Outros tipos de documentação, assim como despachos, foram assinados em Salvaterra de Magos, o que pressupõe a existência de um edifício digno de receber as mais altas entidades nacionais e internacionais. Porém, as referências documentais sobre o Paço, não são abundantes.

Só por volta do ano de 1542, o Paço Real volta a ser referenciado. O rei D. João III entrega o Senhorio da Vila ao seu irmão, o Infante D. Luís (ambos filhos do rei D. Manuel I), que procede a obras de ampliação e remodelação do Palácio já existente, o que origina o “Paço Novo”. Desta ampliação, surge a Capela Real com especial destaque. Daí ao edifício ter-se dado, também, o nome de “Paço do Infante D. Luís”.

Planta do Paço Real Salvaterra de Magos
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Pode, talvez arriscar-se dizer que o Paço Real de Salvaterra surgiu verdadeiramente enquanto o Infante D. Luís deteve o Senhorio da Vila. As obras de ampliação foram imensas. Desde a Capela Real aos magníficos jardins, D. Luís fez do antigo paço um “edifício sumptuoso e capaz de ser habitação sua”, como referem os seus biógrafos. Gastou neste paço mais de cinquenta mil cruzados sem chegar, infelizmente, a vê-lo concluído.

Foi o Infante D. Luís que, acompanhando de perto toda a obra, dando inclusive, algumas indicações, tornou Salvaterra de Magos num local onde, futuramente os nossos monarcas se fixavam, durante longo período de tempo, para tirar proveito das vastas coutadas.
A dinastia Filipina deu, também, um grande contributo para a manutenção do paço real, desde o arranjo dos jardins ou a estipulação de verbas avultadas para a conservação de todo o paço.

É com a dinastia de Bragança que o Paço Real de Salvaterra de Magos volta a assumir maior importância. No reinado de D. Pedro II, o Paço Real tem grande destaque, dada a aptidão deste monarca para a caça. D. Pedro II vê em Salvaterra o lugar certo para as actividades de caça e do toureio a cavalo e, não alheio à manutenção do paço, procede a obras de pintura dos tectos, conferindo-lhe um toque barroco. Estas alterações podem, ainda hoje ser confirmadas na Capela Real.

Inspirados no ex-voto que contem a única imagem conhecida de uma das fachadas do paço, pode-se concluir que era constituído por um corpo central de três pisos, mais dois corpos laterais que teriam dois pisos. No corpo central pode observar-se uma larga arcaria de volta perfeita no piso térreo, onde assenta uma “loggia” com colunas de ordem jónica. O terceiro piso teria dimensões mais reduzidas.

Pormenor 3D da Fachada do Paço Real
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Os pisos superiores, dos corpos laterais, teriam janelas de sacada protegidas por varandas de guardas de ferro. Os aposentos confluíam para um claustro, em colunata, proporcionando assim a intimidade.

Ainda hoje é possível observar alguns vestígios do paço na malha urbanística, tendo em conta a diversa cantaria, assim como capitéis jónicos (alguns, actualmente pertencem a privados) e colunas cilíndricas dispersas pela vila. Vestígios esses que formavam a colunata “loggia”.
Desenho de coluna do Paço
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Pelo reinado de D. José I, o Paço Real de Salvaterra de Magos atingia o seu momento áureo com a fixação da Família Real na vila, durante os meses de Inverno. Por essa altura, o paço teria a seguinte constituição: jardim e horta, aposentos nobres para a Família Real e respectiva comitiva – “aposentos das damas, casas de Secretário, quartos dos guarda-roupas, sala dos Tudescos, quarto do Estribeiro-mor, residência do Almoxarife e respectivos serviços, como a casa do padeiro, telheiro das galinhas, duas cozinhas, uxaria, cavalariças, cocheiras, casas de falcoaria” (in O Paço Real de Salvaterra de Magos – a Corte, a Ópera, a Falcoaria, de CORREIA, Joaquim e GUEDES, Natália Correia), também a Sala dos Archeiros e, por volta do ano de1753, a Casa de Ópera.

O crescente interesse dos monarcas em Salvaterra, tem o seu ponto alto no reinado de D. José I, que foi de uma importância vital para o paço, dado que grandes obras de requalificação e ampliação foram efectuadas no seu reinado. A Casa de Ópera foi, de longe, a mais importante alteração executada no paço, pois esta obra trouxe mais ritmo à vila de Salvaterra de Magos. Com o Real Theatro, Salvaterra de Magos passou a ter outro tipo de entretenimento para além da caça.

No entanto, foi também durante o reinado de D. José I, que se deu o terramoto de 1755, que viria a danificar consideravelmente o Paço. Procedeu-se ao seu restauro e ampliação no ano imediato e durante os quatros anos seguintes.


O declínio do Paço Real

Partida da Familia Real para o Brazil
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Uma sucessão de incêndios, tremores de terra e alguma negligência por parte da Casa Real levou à degradação do Paço de Salvaterra. Também a ida da Família Real para o Brasil, no reinado de D. Maria I (numa altura em que D. João VI era Regente), enfraqueceu o ritmo daquele que fora, outrora, local de predilecção real.

Tropas Napoleónicas em Portugal
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Segundo descreve José Estevam, em “Anais de Salvaterra de Magos”, aquando das Invasões Francesas, enquanto a Corte se mudava para o Brasil, as tropas napoleónicas passavam por Salvaterra de Magos e, sem grandes escrúpulos, alojavam-se tranquilamente no Paço Real. Fizeram estragos, levando inclusive, alguns dos objectos que pertenciam ao magnífico edifício.

No ano de 1818, João dos Santos, a mando de Sua Majestade, foi enviado a Salvaterra de Magos, de modo a averiguar estragos e proceder às reparações, há tanto tempo solicitadas pelo almoxarife. O Almoxarife que, preocupado com a progressiva ruína do paço, participou por diversas vezes, durante anos, o estado em que se encontrava o edifício.

No entanto o que o inspector observa não abona em favor do almoxarife. Segundo João dos Santos, as tropas haviam danificado muito o paço, contudo, a maioria desses danos era da responsabilidade do almoxarife que “arrancara grande parte dos panos que forravam os tectos das casas e dos corredores e os ferros das cozinhas, deixando em completo abandono as cavalariças, (…) por sua faculdade albergavam pessoas estranhas ao palácio (…)” e que “o almoxarife não guardara, mas estragara e delapidara” (in ANAIS DE SALVATERRA DE MAGOS – DADOS HISTÓRICOS DESDE O SÉCULO XIV, ESTEVAM, José).

Incêndio no Paço
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Passados alguns meses, na madrugada de 28 de Setembro desse ano, deu-se o mais avassalador incêndio no paço, que foi determinante para a sua destruição. No ano de 1818, a Família Real permanecia ainda no Brasil, como tal, foi num clima de abandono que o incêndio deflagrou.

Este acidente teve graves consequências no futuro do palácio, pois se já antes o edifício necessitava de obras (nomeadamente no que diz respeito aos telhados e algumas divisões), agora a sua reparação tornar-se-ia praticamente insustentável.


O juiz de Benavente, chamado ao local, apurou que “o incêndio fora causado pelos criados do almoxarife do paço que, na chuvosa tarde de 27 de Setembro conduziram uma carrada de feijão para a recolher na sala dos archeiros, que era ladrilhada. Os criados acenderam na chaminé ou fora dela uma porção de carolos de milho, que estava na dita sala para enxugar o feijão que viera muito molhado. Do lume, comunicando talvez por alguma fenda do ladrilho, levantou-se o incêndio.” (in ANAIS DE SALVATERRA DE MAGOS – DADOS HISTÓRICOS DESDE O SÉCULO XIV, ESTEVAM, José).

Como consequência mais directa, o almoxarife foi responsabilizado pelo sucedido e destituído do seu cargo, sendo, no entanto, ilibado do seu alegado crime passados dois anos.

A progressiva ruína do Paço, aliada às dificuldades da Coroa em manter o mesmo, levou D. Maria II a ceder ao Estado as dependências do Almoxarifado de Salvaterra de Magos: “o Palácio Real e o Palácio Queimado (velho), a Capela e a Horta Real, casas, lojas, barracas e sobrados diversos, quartéis de infantaria, cavalariças e cocheiras, palheiros, (…) a Ermida de S. Sebastião, pombais e falcoaria constam de longas listas então elaboradas com autos de entrega à Fazenda Nacional, sendo autorizada a arrendá-los ou a dar-lhes qualquer aplicação de onde proviessem vantagens; poucos anos bastaram para que se efectuasse em hasta pública a venda de todos aqueles bens, com excepção da Capela Real, cuja propriedade o Estado conservou.” (in O Paço Real de Salvaterra de Magos – a Corte, a Ópera, a Falcoaria de CORREIA, Joaquim Manuel e GUEDES, Natália Brito Correia).

O Estado já detinha todas as dependências do almoxarifado de Salvaterra de Magos, quando nova catástrofe vem intensificar a destruição do paço régio. O sismo de 1858, com epicentro em Setúbal, provoca estragos no paço quando faz desmoronar o paredão da fachada do edifício.

Entre os anos de 1862 e1863, as ruínas do Paço Real de Salvaterra de Magos são arrematadas em hasta pública, assinalando o triste fim daquele que foi um importante monumento a nível nacional.

 

Teorias em torno do Paço

Surgem várias conjecturas acerca do Palácio. Uma delas é ter existido dois paços (velho ou queimado e o paço novo). O paço velho estaria localizado junto da Capela Real, onde agora se encontram uma habitação privada, bem como comércio local. O Paço Novo estaria situado na zona do antigo quartel dos Bombeiros Voluntários.

No entanto, apesar da localização estar correcta, esta teoria é contestada por alguns historiadores, na medida em que acreditam ter existido apenas um Paço, em vez de dois edifícios separados. Sendo assim, o “paço novo” seria resultado das ampliações mandadas executar ao longo dos anos, nomeadamente enquanto o Infante D. Luís teve o Senhorio da Vila.

O “paço novo” terá sido um edifício destinado a arrumos, ou simplesmente uma casa de apoio às cozinhas, contendo, por exemplo dormitórios para a criadagem. Neste “paço novo” estaria também alojado o Corpo da Guarda.

Ou seja, existiram, de facto dois paços, mas um seria o complemento do outro e não dois edifícios isolados. Os nomes: “Paço Novo” e “Paço Velho” surgem apenas para distinguir cronologicamente a parte mais antiga, das remodelações efectuadas ao longo do tempo.

Há igualmente quem afirme que o Palácio da Falcoaria teria sido construído através de um paço já existente, que corresponderia ao paço velho. Esta teoria não se confirma, pois as plantas indicam o paço velho junto da Capela Real.



 Localização do Paço Real

Através de uma pesquisa às plantas do Paço, bem como a alguns dos vestígios ainda existentes (e que nos passam despercebidos), concluímos que o Paço estaria disposto da seguinte forma:
  • Lateral (fachada do edifício): desde a rua do Rossio até à Avenida Dr. Roberto Ferreira da Fonseca;
  • Comprimento: Desde a praça da República (onde se encontra a fachada da Capela Real) até pouco mais do que, actualmente é a Estrada Nacional 118.


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  Sobreposição da planta do Paço Real à imagem de Satélite da vila, actualmente.
A imagem mostra onde se situava o paço e qual a sua dimensão . Imagem da planta pertencente: livro Paço Real de Salvaterra de Magos - Edição : Livros Horizonte. Autores: Joaquim Manuel da Silva Correia e Natália Brito Correia Guedes
Existem ainda alguns vestígios (além da Capela Real que permanece praticamente intacta), de onde outrora se localizava o Paço. Por exemplo por detrás da Capela seria o Picadeiro e mais ao lado ainda podemos observar a Horta D ’El-Rei. As cozinhas situar-se-iam no que agora são as instalações do café/ restaurante “O Ribatejano”, de onde ainda sobressaem as chaminés das mesmas. Além destas provas físicas da existência do Paço e que nos podem dar a indicação de onde se situava este magnífico edifício, existem outras, talvez menos evidentes, como por exemplo diversa cantaria em pedra ou alguns muros.

Dada a dimensão do Paço Real, fica a questão: como pode um edifício tão imponente desaparecer, quase sem deixar rasto? A resposta está espalhada nas ruas do concelho. Aquando da venda em hasta pública, por ordem da Rainha D. Maria II, parte das paredes do paço foram demolidas e a pedra que serviu para erguer essas paredes foi utilizada nas ruas e estradas do concelho. Além da demolição de grande parte das paredes, o que restou “de pé” foi vendido a privados que procederam a alterações do traçado original do edifício.
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Capitel de coluna pertencente ao Paço
Actualmente  em posse de privado
Também os muros pertencentes às propriedades privadas, na rua de Coruche, parecem ter-se tratado de uma única parede que dividiria o pátio, das divisões interiores do palácio. Existem ainda pedaços de colunas que pertenceram ao Paço e que agora se encontram em colecções privadas.











A importância da Família Real no Paço

O dia-a-dia da Família Real em Salvaterra de Magos


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  1. A chegada pela Vala Real    (click na foto para aumentar)
Bergantim Real no Cais de Lisboa
A Família Real partia do Cais de Belém em faluas, escaler ou no sumptuoso Bergantim Real. Por vezes, para conforto da Rainha, seguia carruagem até Vila Franca, onde a soberana pernoitava e depois seguia no bergantim até Salvaterra de Magos.
Já no Cais da Vala Real os monarcas eram recebidos com pompa e circunstância, desfilando posteriormente pelas ruas da vila, até à sua casa de campo, o Paço Real.


A Familia real em Salvaterra de Magos (Simulacro)
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As deslocações a Salvaterra de Magos exigiam grandes movimentações de pessoal: desde médicos, cozinheiros, artistas (para a ópera), confessores, ou as aias da Rainha, entre outros; além dos habituais convidados e amigos da Família Real. Os Marqueses de Marialva eram presença assídua no Paço de Salvaterra.

Para tais deslocações e movimentação de pessoal, era necessária a deslocação de alguns objectos dos paços de Lisboa para o de Salvaterra, de resto, como se fazia para outros paços. Apesar do Paço de Salvaterra ter o seu próprio conteúdo, os monarcas faziam-se acompanhar de tapeçarias, luminárias, móveis, 
baixela, etc. Tudo para o maior conforto da Comitiva Real
 e para renovar a decoração do Paço.

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Bergantim Real - vista frontal
Bergantim Real ou Galeota de D. Maria I – o transporte por excelência
Fotos do Bergantim Real Actualmente exposto no Museu da Marinha (click na foto para aumentar)

É sabido que os monarcas se deslocavam através do rio Tejo, nomeadamente em galeotas, faluas e bergantins, tendo por destino o Cais da Vala Real, Salvaterra de Magos. A partir do reinado de D. Maria I, passaram a viajar no Bergantim Real, embarcação semelhante à galeota, porém de menor dimensão. Distinguia-se das restantes pela sua magnífica decoração que era composta, por exemplo, por: pináculos, florões ou cariátides. O baixo-leme é constituído, a nível decorativo, por dois baixos-relevos, enquadrados por cercaduras floridas de talha dourada onde se encontram representados Poseidon e Anfitrite (deuses gregos do mar). Tinha ainda uma caixilharia de espelhos venezianos e um luxuoso toldo em talha dourada, à popa.

Embarcação que podia armar uma vela, caracterizava-se por ser veloz e facilmente manobrável. O bergantim real adquiriu um segundo nome: “galeota de D. Maria I”, por ter sido mandado construir por esta soberana.

Esta embarcação está associada a diversos acontecimentos Históricos, especialmente no reinado de D. Maria I e durante a Regência do Príncipe D. João VI:




    • Foi construído com o intuito de servir o noivado do futuro rei D. João VI com a infanta espanhola Carlota Joaquina, bem como o noivado da irmã do futuro rei, a infanta D. Maria Ana Vitória com o infante espanhol D. Gabriel.
    • Aquando das Invasões Francesas, esta embarcação levou D. Maria I até à nau “Príncipe Real”.
    • Por outro lado, foi também a bordo deste bergantim que D. João VI voltou à Corte.
    • Teve papel importante na operação “Abrilada”, que termina com D. João VI a destituir o infante D. Miguel de Comandante do Exército e o envia para o exílio.
    • Foi do bergantim real, que a futura D. Maria II desembarcou, revelando-se ao povo português, pela primeira vez.
    • Mais tarde foi receber o rei inglês, Eduardo VII
    • O Bergantim Real navegou pela última vez quando transportou a Rainha Isabel II de Inglaterra, numa visita oficial.
    • Desde então, o Bergantim Real encontra-se no Museu da Marinha, em exposição.

  1. As Caçadas Reais
Cena de caçada Real com ave de Rapina
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As Caçadas são a mais tradicional forma de entretenimento da Família Real. Os monarcas teriam predilecção por Salvaterra de Magos pelas enumeras vantagens que esta vila tinha para oferecer: tinha um sumptuoso edifício digno de receber os Monarcas, tinha também uma majestosa Casa de Ópera e, sobretudo, Salvaterra de Magos era eleita pelas suas vastas coutadas.

Desde sempre os monarcas preferiram as coutadas de Salvaterra de Magos. Os reis que nutriram maior interesse pela vila foram D. Pedro II e D. José I. Antes deles, o Infante D. Luís, Duque de Beja e o rei D. Sebastião.

D. Sebastião teve um papel preponderante, no que diz respeito às coutadas de Salvaterra de Magos. No seu reinado foi aprovado o documento intitulado: “o Regimento da coutada de Salvaterra”, que determinava “as demarcações e da pena que haverão os que caçarem perdizes, lebres, coelhos ou montearem porcos, veados ou qualquer outra veação ou não cumprirem e guardarem e fizerem o contrario do que nele se contem nos tempos defezos” (in O Paço Real de Salvaterra de Magos – a Corte, a Ópera, a Falcoaria de CORREIA, Joaquim Manuel e GUEDES, Natália Brito Correia). Ou seja, este documento, não só delimitava a zona de caça real (as coutadas) como também previa punições para quem caçasse dentro desses limites.
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cena de caça (montaria Mediaval)
Na Idade Média eram mais recorrentes dois tipos de caçada: a montaria, ou caça de perseguição violenta, e a cetraria, ou caça através de aves de rapina.
A montaria tinha em vista a caça de animais de grande porte, como por exemplo o urso, o javali, o lobo, o cervo, entre outros. Neste tipo de caçada eram utilizadas armas e armadilhas. No que diz respeito à cetraria ou caça através de aves de rapina, o próprio nome indica que se tratava de um tipo de caça em que eram utilizados falcões, gaviões, açores entre outras aves de rapina. Tinha por objectivo a caça de animais de menor dimensão.


Pequenos relatos das Caçadas Reais

Caçada do rei D. Fernando
Caçada real com falcão
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“Quando el rei ia à caça, todas as maneiras de aves e cães que se cuidar podem para tal desenfadamento todas iam em sua companhia, em guisa que nenhuma ave grande nem pequena se levantar podia, posto que fosse grou e betarda, até o pardal e pequena folosa, que antes que suas ligeiras penas a podessem pôs em salvo primeiro era presa do seu contrário; nem as simples pombas, que a nenhum fazer impecimento, em semelhante caso, não eram isentas de seus inimigos. Para raposas, coelhos e lebres e outras semelhantes selvagens montezes, levava el rei tantos cães de seguir suas pegadas e cheiro, que nenhuma arte nem multidão de covas lhes prestar podia que logo não fossem tomadas. E porém nunca el rei ia vez nenhuma alguma à caça que sempre nela não houvesse grande sabor e desenfadamento”

“Era ordinário ir três dias por semana à caça quando não havia impedimento às terças, quintas e sábados de madrugada se tocava a trombeta para se juntarem aos caçadores que eram trinta, entre moços homens de cavalo e moços de pé (…);”

Infante D. Luís, Duque de Beja
“o infante D. Luís, filho de el rei D. Manuel, irmão d’el rei D. João III, príncipe de altos pensamentos, foi um grande caçador de Falcão e teve em seu serviço, oitenta caçadores assalariados, muitos deles estrangeiros, mui práticos nesta arte; e ele no paço, casa donde estava, tinha Falcões e os dava em cuidado aos seus moços da câmara, dos quais eu conheci alguns muito nobres e cada caçador tinha a sua conta dois e três Falcões”.

Relato de Fr. Caetano José da Rocha (Prior de Benavente) sobre caçada do Rei D. José
“Fevereiro – 1754
Saiu a corte toda à caça das lebres no campo de Salvaterra. Confesso que nunca gostei tanto de ver a corte como a vi nesse dia, por que tudo ia em seu lugar, e como caminhavam p’lo terreiro do Palácio sem impedimento de gente, tudo se via e lograva. Iam adiante as trombetas do Monteiro-mór em duas fileiras com os timbales adiante; atrás destes iam os de El-Rey em quatro linhas, e com os timbales entrecaxados; os do Monteiro-mór vestidos de verde e golados de prata, os do de El-Rey de cor diversa mas com belos librés. Logo se seguia o Juiz das coutadas desta sua terra, guia de El-Rey montado em um formoso cavalo sacador de braços ricamente ajaezado e El-Rey vestido de encarnado. Certamente lavava aos olhos a todos, e de todos se distinguia e nunca o vi tão bizarro. Seguia-se a Rainha, e à mão direita dela, ia no seu ligar o Monteiro-mór do Reyno, bem vestido, e montado. Depois da Rainha iam os dois Infantes,, logo os cavalheiros, depois os coiteiros com a sua libré verde, e os falcoeiros com libré encarnado, e a chusma de cavaleiros que haviam ser mais de 250 ou 300 – os falcoeiros, levava cada um seu pássaro na mão e atrás ia a liteira ou gaiola dos açores, guiando os dois machos dois lacaios a cavalo, tudo bem vestido e asseado, e de custo. À noite era certa a ópera. A Rainha também ia montada em um belo cavalo com ricos jaezes, e bem entrançado, e com coldres e pistolas neles.” (texto retirado do manuscrito DIÁRIO DE SALVATERRA, de Fr. Caetano José da Rocha, Prior de Benavente).

Relato de um viajante francês sobre caçada do Rei D. José I
“A 2 de Fevereiro houve uma grande caçada com falcão que o Rei deu em homenagem aos estrangeiros que se encontravam em Salvaterra – foi das mais brilhantes caçadas. Os músicos, guardas e falcoeiros, em uniforme escarlate agaloado a ouro, abriram o cortejo. Os estrangeiros convidados em seguida, estavam montados em magníficos cavalos das calariças reais que têm 700 ou 800. O meu companheiro e eu estávamos muito interessados em participar. O Rei partiu às três horas, precedido dos músicos, guardas, estribeiro, falcoeiro e alcândoras dos falcões.”
“A caça abriu-se numa planície, a um quarto de hora de Salvaterra, em que o Rei tinha mandado bater às lebres na região; todos os que participavam na caçada estavam em fila, formando um grande cordão para caçar as peças; ao centro seis falcoeiros a cavalo tendo seis falcões no punho, avançavam numa linha entre duas filas, seguidos pelo Rei, a Rainha, o Infante [irmão do Rei] e por aqueles que estavam curiosos em assistir à caçada de perto, no número dos quais eu me contava, vendo com dificuldade, de modo que me encontrei várias vezes ao lados de Suas Majestades, correndo à brida, abatendo a lebre e chegando em primeiro lugar.
Assim que uma lebre corria, o falcoeiro que estava mais perto tirava o caparão ao falcão que imediatamente subia no ar e vendo a lebre precipitava-se sobre ela (…) até a apanhar com as suas garras e com o bico (…) então os falcoeiros vinham apanhá-los e separá-los das lebres atirando-lhes bocados de carne crua que eles devoravam.”